Na noite passada tive o mesmo sonho. Só que não é um sonho. Sei disso porque, quando começa ainda estou acordada.
Lá está minha mesa. O mapa na parede. Os bichinhos de pelúcia com os quais não brinco mais, mas que não guardo no armário para não magoar meu pai. Posso estar na cama. Posso estar em pé no meio do quarto, procurando uma meia perdida. De repente, não estou mais.
Desta vez eu não apenas vejo algo. Sou levada daqui para lá.
Parada as margens de um rio em chamas. Milhares de maribondos em minha cabeça. Brigando e morrendo dentro do meu crânio, seus corpos se amontoando por trás dos meus olhos. Picando e picando.
A voz do meu pai. De algum lugar do outro lado do rio. Chamando por mim.
Nunca ouvi sua voz desse jeito. Ele está tão assustado que não consegue disfarçar, ainda que tente (ele SEMPRE tenta).
O cadáver passa boiando.
O rosto para baixo. Então espero que sua cabeça se erga, que mostre os buracos no lugar dos olhos, que diga alguma coisa com seus lábios azuis. Uma das coisas terríveis que ele poderia fazer. Mas ele apenas passa, como um tronco de árvore.
Nunca estive aqui antes, mas sei que é real.
O rio é a divisa entre este lugar e o Outro Lugar. E eu estou do lado errado.
Há uma floresta escura aqui, mas não é esse o problema.
Tento ir para onde meu pai está. Os dedos dos meus pés tocam o rio, e ele murmura dolorosamente.
Então há braços que me puxam para trás. Arrastando-me para as árvores. Parecem braços masculinos, mas não é um homem que coloca os dedos na minha boca. Unhas que arranham o fundo da minha garganta. Pele que tem gosto de barro.
Mas um segundo antes, antes que eu esteja de volta ao meu quarto com a meia perdida na mão, eu me dou conta de que estava chamando meu pai da mesma maneira que ele estava me chamando. Dizendo a mesma coisa o tempo todo. Não palavras que saem da minha boca atravessando o ar, mas que saem do meu coração atravessando a terra, para que nós dois possamos ouvi-las.
ENCONTRE-ME